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As Diferenças Contam: Uma Entrevista com mestre em educação Gustavo Tomazi

by - setembro 27, 2019

Atualmente estou me graduando em Relações Públicas, na PUC-Campinas, e lá na universidade, é comum realizar todos os anos o Reverbera, um evento que integra todos os cursos do Centro de Linguagem e Comunicação, apresentando workshops, palestras, atividades e apresentações onde todos os estudantes podem participar e conhecer coisas novas.

Eu participei de inúmeras atividades, mas uma que me chamou muita atenção foi a primeira palestra que fui, chamada "Produções Coletivas Educativas: Audiovisual e Artes Visuais", apresentada pelo professor Gustavo Tomazi. Nessa palestra, houve uma discussão sobre arte, diversidade, audiovisual, educação e, principalmente, sobre o projeto "As Diferenças contam...".

Eu fiquei muito encantada com tudo que vi e, por conta disso, resolvi entrar em contato com o Gustavo para convidá-lo para uma entrevista aqui no blog. Ele super aceitou!

Então, se ficou curioso para saber mais sobre o trabalho incrível dele, continue lendo ❣


1 – Primeiramente, gostaria de agradecer muito por ter aceitado o convite, é uma grande honra entrevistar uma pessoa tão importante! Poderia me contar um pouco sobre você e a sua formação acadêmica?

Ao contrário da maioria das pessoas, que se graduam antes de seguir uma profissão, comecei minha vida acadêmica após anos de experiência profissional. Quando jovem, nos anos 80, iniciei uma trajetória nas artes visuais atuando em oficinas educativas, produções  audiovisuais e designer gráfico, atividades que se estendem até os dias atuais. No ano 2007, após realizar duas produções coletivas para projetos internacionais, iniciei minha trajetória acadêmica pautada na busca pessoal e constante de novos conhecimentos que visam aperfeiçoar as metodologias dos trabalhos que realizo. Em síntese, as minhas experiências profissionais dialogam com os estudos acadêmicos que realizo, com vistas a valorizar a potência da arte na educação. As investigações acadêmicas visam o refinamento de práticas educacionais artísticas coletivas inclusivas, metodologias acessíveis, livre expressão e, no doutorado, estudos da neurociência cognitiva relacionados às imagens mentais em movimento.
  
2 – Eu fiquei imensamente encantada com o projeto “As Diferenças contam...”, como surgiu a ideia de criá-lo? Houve alguma dificuldade no começo?

A ideia do projeto surgiu da intenção de criar animações coletivas temáticas com jovens e se conformou à partir de uma experiência vivida em um projeto internacional europeu. Em decorrência de um período de estágio na Europa em um estúdio escola na Bélgica, fui convidado a participar de um projeto educativo com o tema: comércio justo (fair trade), que propôs a criação de um livro educativo com atividades educativas sobre os filmes temáticos coletivos realizado por jovens de cinco países. No caso do citado projeto “As diferenças contam…”, além de conceber um livro com mesma proposta, elaborei um site com os mesmos conteúdos do livro para facilitar o acesso a esse recurso educativo gratuito. Realizar um projeto deste tipo exige muita perseverança. Devido ao contexto educacional que vivemos no Brasil, onde ainda lutamos pelo ensino das ciências humanas na escola, as atividades artísticas e culturais não estão dentre as prioridades das políticas públicas e sendo ainda consideradas atividades de formação extra-curricular. As dificuldades que encontrei para realizar este projeto foram, inicialmente, relacionadas a hospitalidade da escola em que realizei as oficinas do projeto. Na oportunidade, havia uma tensão entre a direção e os funcionários da escola e, por conta disso, não tive boa receptividade. No entanto esse quadro se reverteu a medida em que os resultados da oficinas foram aparecendo. Para realizar as oficinas, consegui o fomento do GGBS/UNICAMP na época, pela facilidade do projeto das oficinas ser o objeto de pesquisa do meu mestrado na Faculdade de Educação da mesma universidade, mesmo assim, o projeto teve que passar por análise de quatro instâncias da Universidade para ser aprovada sua inexigibilidade de licitação e, nesse ínterim burocrático, as oficinas já haviam acabado quando fomento foi liberado. Uma luta! Para a editoração do livro e a criação do site do projeto não houve fomento algum e, graças aos anos de experiência em artes visuais e designer gráfico, realizei, por conta própria, a editoração, design dos produtos e a programação do e-book interativo e do site do projeto. 

Site do projeto "As Diferenças contam..."
3 – Com um projeto que incentiva a criação, a arte e a cooperação, é de se imaginar que as crianças se transformem de algum modo após participarem de todo esse ambiente. Você consegue perceber mudanças no comportamento delas após o término da oficina?

É inevitável que em um ambiente de livre expressão as mudanças de comportamento  ocorram. Na verdade estamos em constante transformação e, na maioria das vezes, não temos consciência disso. Ambientes coletivos de produção artística, oferecem, na prática, o encontro das capacidades individuais de criação dos participantes e, por consequência, propiciam um tipo de construção pessoal intrínseca muito intensa. É muito mais inquietante e estimulante para o cérebro criar algo do que reproduzi-lo apenas. O ensino atual, ao contrário disso, ainda é pautado ou baseado em relações reprodutivas e procedimentais no aprendizado e, dessa maneira, subestima o aluno como potência. Segundo Piaget, para o cérebro é mais fácil deduzir do que compreender, por isso a necessidade da inquietação (perturbação) que origina a criação, a escola, por sua vez, com sua rigidez contraditória, processos e metas, promove o aprendizado puramente procedimental, dedutivo e reprodutivo na maioria das vezes. São muitas as mudanças ocorridas nos alunos nas oficinas educativas que propomos, a maiorias delas está diretamente relacionada ao autoconhecimento e a melhora considerável da autoestima. As mudanças das relações com a criação artística nessa proposta, invertem o papel do aluno espectador para o de criador de conteúdos e, com isso, disparamos inúmeras correlações pessoais e outras coletivas provenientes do aprendizado provindo da criação, que emerge das próprias capacidades. Esse contexto propicia mudanças pessoais e coletivas significativas que decorrem da autonomia de ações e da autoconfiança adquirida nas criações, dessa maneira, convivemos com as diferenças e respeitamos expressão de cada aluno sem estranhamentos. Desenvolvemos valores importantes para o convívio social e para o desenvolvimento pessoal desses sujeitos em inúmeros aspectos.  

4 – Sabemos que a escola pública tem suas dificuldades em sair da rotina de aulas padrões, e fica com o pé atrás para atividades mais interativas que envolvam arte e até mesmo, diversão. Então, de que maneira você introduz esse projeto para a equipe escolar?

Para introduzir o projeto para as equipes da escola, quando necessário, faço uma apresentação que contextualiza o tipo de atividade que faremos, quais conteúdos serão trabalhados, como e quando as atividades serão realizadas. As atividades podem ocorrer como intervenções de oficinas de meio período, até projeto semestrais com várias oficinas com produção de filmes e outros produtos. Da mesma forma, é importante conhecer o espaço e qual o interesse da escola nesse tipo de atividade, para estipular um formato mais adequado ao contexto apresentado. Talvez essa prerrogativa: a rigidez das escolas, esteja entre as motivações de meus estudos acadêmicos sobre o valor da arte na educação, então pergunto: "- A escola ensina a maioria da sociedade a reproduzir os conhecimentos ou criar novos?" Essa questão já responde parte dessa pergunta. O contexto para atividades que promovem a criação e desenvolvem a crítica definitivamente não é favorável nas escolas das massas, a maioria delas seguem diretrizes e metas, portanto, não dão conta da transformação do saber em cada um e da univocidade do ser. Ainda assim, é importante entender que, mesmo diante desta condição, a inércia da escola se deve muito mais a fatores limitadores impostos pelas políticas de ensino, que definem as prioridades e direcionam os recursos, do que propriamente o material humano que as compõem. Evidentemente que há muita a ser feito na escolas, mas o conhecimento é um caminho sem volta, basta disponibilizá-lo para que a inquietação causada por ele dê conta das mudanças que buscamos.
   
5 – De todas as animações já realizadas, tem alguma em especial que se tornou a sua favorita? Por quê?

Pergunta difícil...dentre as produções coletivas, oriundas das oficinas realizadas, destaco três delas: “Cavalo Marino”; “João Pé de Carvão” e “Este é Ponto”. A animação Cavalo Marino foi minha primeira oficina com proposta inclusiva, realizada na APAE/Valinhos em 2000, com um grupo de alunos com diferentes deficiências e caminhos para o aprendizado. Realizamos uma prática que não exigiu qualquer aptidão artística, livre de cobranças e contando apenas o envolvimento de todos. A partir dessa experiência busquei estudar e desenvolver as minhas teorias sobre práticas inclusivas de ensino.O filme “João Pé de Carvão”, o primeiro filme coletivo realizado para um projeto internacional europeu. Este filme tem milhares de acesso e é, disparado, minha produção que mais participou de festivais no Brasil e pelo mundo. A animação coletiva “Este é o Ponto”, foi meu trabalho mais premiado, também com muitos acessos no youtube, é usado em atividades escolares para tratar das diferenças. Este trabalho despertou o interesse da Universidade pelo meu trabalho e abriu as portas para, já graduado pedagogo, iniciar os estudos de pós-graduação na Faculdade de Educação da UNICAMP. 


    
6 – Você já trabalhou com crianças muito tímidas, que ficaram receosas em participar do projeto? Ou mesmo, com crianças deficientes? Se sim, como trabalhou a inclusão delas?

Sim, é muito comum encontrar crianças mais tímidas e outras com diferentes formas de aprendizado, no entanto, todos possuímos alguma timidez ou limitação para determinadas funções. Quero dizer que todos somos diferentes e o que estipula o tímido, o baixo, o alto, o incapaz ou não, o inadequado ou não, são os padrões pré-definidos do que seria o bem sucedido, não diz respeito a aprender ou não. Por isso, sem exceção, a sua maneira e tempo, todos aprendemos, participamos e nos envolvemos com o conhecimento e as vivências. Não existe uma cartilha para lidar com alunos tímidos ou mesmo aqueles com dificuldades de aprendizado de ordem física ou psicológica, é uma demanda que surge de acordo com a individualidade de cada caso, é um caminho de descoberta conjunta entre professor, aluno, colegas e escola. No entanto, algumas dicas podem ajudar a prática inclusiva em qualquer contexto, são elas: a) jamais alterar o conteúdo dado supondo incapacidade ou imaginando que com isso está facilitando o aprendizado, isso é exclusão e contra lei inclusive, b) o professor leva a proposta educativa aos alunos, oferece os saberes, mas deve estar consciente de que não domina o aprendizado do indivíduo, nem o próprio aluno sabe como se aprende, os conhecimentos são assimilados de maneira única em cada ser. c) pergunte ao aluno o que ele precisa para facilitar seu aprendizado, planeje, mas não traga soluções prontas, elas majoritariamente causam frustrações no professor e principalmente no aluno, que, muitas das vezes, não corresponde conforme o previsto. Não há previsibilidade no aprendizado do outro.
      
7 – Você tem outros projetos em andamento? Ou mesmo, planos para o futuro?

O projeto “As diferenças contam…” foi elaborado para ser permanente e pretendo abastecê-lo com novos filmes temáticos e novas atividades sempre. Para isso, busco recursos e , frequentemente, o submeto a editais outras formas de fomento para realizar mais oficinas para o projeto. Gostaria de fazer um filme coletivo sobre preconceito racial e outro sobre a violência contra mulher. Outro projeto que estou envolvido é o do meu doutoramento intitulado: Oficina de animação experimental - um estudo sobre a evolução das imagens mentais cinéticas na inteligência. Estou investigando o desenvolvimento das estruturas cognitivas relativas a imagem em movimento realizando uma oficina de cinema de animação experimental com pessoas cegas de nascença. Ao mesmo, estou elaborando um método e criando uma oficina de animação adaptada que pretende propiciar a esse público específico a oportunidade de construir diversos movimentos por meio da animação, para assim, conhecerem melhor os eventos em movimento que os cercam. Sobre o futuro, pretendo trabalhar academicamente os resultados dos meus estudos e, possivelmente, estendê-los em um pós-doutorado onde pretendo realizar um curta de animação com os mesmos sujeitos do estudo do doutorado. Concomitante aos estudos permanentes, pretendo dar continuidade a minha carreira docente dando aulas em todos os níveis de formação. 

8 – E para finalizar, poderia mandar uma mensagem para os estudantes que serão futuros professores?

O professor jamais deve se esquecer que é apenas o portador do saber e não o dono dele,  é importante que ele desenvolva a empatia com o outro e busque dividir/oferecer o conhecimento, respeitando os caminhos e formas de aprendizado de cada um. Mesmo diante da opressão das metas institucionais e obrigações curriculares, que promovem o ensino reprodutor. O professor deve encontrar os meios e espaços para as melhores relações de ensino e confiar no aluno. Frequentemente ouvimos dos professores: - Vocês não conhecem a realidade da sala de aula! Devemos então, como professores, se questionar: - De onde partem as relações dentro da sala de aula?  De relações horizontais ou verticais? A relação impositiva ou vertical entre pessoas nunca é agradável ou propicia ambientes favoráveis para troca de saberes e vivências, principalmente na escola. Sim, sabemos que a realidade é duríssima, mas podemos mudar as realidades com imaginação e criatividade. Acredito que o sucesso das oficinas se dá, fundamentalmente, pelo envolvimento de todos no processo e para conseguir isso, os primeiros encontros são extenuantes e cansativos pois exigem muito empenho para conquistar a confiança e a participação de todos com devido respeito às suas capacidades, em compensação, rapidamente a oficinas caminham sozinhas. Portanto, acredito que o esforço maior empenhado para envolver o aluno no início de qualquer atividade seja compensado no restante da aula, curso ou ano letivo.    Por fim, o professor deve estar sempre atualizado e aberto a novos conhecimentos, sempre pronto para mudar de plano diante dos diferentes contextos de ensino. Deve estar ciente que o conhecimento é renovado pelo aluno, revisto e atualizado, com relações outras que conformam seu conhecimento.  O maior desafio do cérebro é ser um universo dentro de outro universo, é a nossa salvação ao mesmo tempo que é nossa armadilha, pela sua capacidade seletiva de reter, deter, reproduzir e, quando encorajado, transformar/recriar o conhecimento.


Mais uma vez, agradeço por ter aceito participar desta entrevista. Sou uma pessoa que admira muito o seu trabalho e o modo como ele muda as pessoas. Eu mesma posso dizer com convicção que me inspirei bastante apenas o conhecendo, imagino então o quão mágico seja fazer parte de tudo isso. Obrigada, de verdade!

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